19.2.07

A ESTAÇÃO DE RÁDIO

Outro dia conversando com o meu amigo radialista Bene Alves sobre o post do IV Centenário ele me sugeriu que contasse alguma coisa sobre a Rádio Alvorada, estação de rádio que funcionou por alguns meses em minha casa na Rua das Camélias...
Acho melhor contar a história toda do começo ao fim:
Por volta de 1969, em plena ditadura com o AI-5 comendo solto, eu como sempre muito interessado por eletrônica, arranjei numa revista o esquema de um transmissor de rádio AM, de posse da relação de componentes fiz uma incursão na Rua Sta. Efigênia e adquiri todos eles: duas válvulas... sim, o transmissor era a válvula, usava um chassis metálico, um condensador variável, que determinava a posição do dial para sintonia, se não me engano lá pelo número 1040 que era um lugar vazio no dial, alguns resistores, um ou dois eletrolíticos, plugs RCA, etc.
Montado o transmissor, consegui um microfone e um toca discos retirado de uma rádio-vitrola de minha mãe. Mas, com um só toca discos eu não podia fazer o que já tinha visto em estúdios de radiodifusão: Ao término de uma música a seguinte entrava sem intervalo algum! E lá fui eu novamente na Rua Sta. Efigênia onde comprei mais um toca discos. Aliás eles eram tão ruins que posteriormente tive que substituir todos os discos que foram usados nas transmissões !
Mas para controlar dois toca-discos e um microfone, eu precisava de uma mesa de som: Confeccionei uma com as chaves montadas em uma tampa de madeira que era de uma embalagem de gelatina copiativa, descolada no banco onde eu trabalhava na época. Funcionava perfeitamente, haviam duas chaves na mesa que controlavam respectivamente os motores dos toca-discos e mais três chaves que selecionavam a entrada no ar de cada um dos toca-discos e mais o microfone.
Transmitíamos diariamente das 18:00 horas até por volta das 22:00 horas, nos fins de semana transmitiamos o dia inteiro.
Periodicamente alguém saía à rua com um rádio portátil sintonizado para saber até onde estávamos sendo captados. O sinal chegava até o Córrego Uberaba, onde é hoje a Av. José Maria Whitaker e para o lado de cima até a Rua das Orquídeas, mas era um problema porque o rádio portátil era o único meio que tínhamos de ouvir o que estávamos transmitindo e cada vez que alguém saía com ele ficávamos sem som no estúdio !
Nessa época costumavam freqüentar o estúdio: Benê Alves, que fala para todos que foi lá a primeira vez que falou em um microfone, Manoel, Hamilton, Fernando, Toninho, Altino, Cidão, Milton Fabbri, talvez eu me esqueça de alguém, afinal se passaram mais de 38 anos, mas parece que foi ontem ! Infelizmente perdi o contato com a maioria das pessoas citadas, com excessão do Bene Alves, do Milton  e do Manoel, e hoje ficaria muito grato se alguém me desse notícias de todos .
A programação era de extremo bom gosto: Nat King Cole, The Platters, Beatles, Johnny Mathis, Henry Mancini, Henri Jerome, Simon & Garfunkel, The Mamas and The Papas, Frank Sinatra, Chico Buarque, Roberto Carlos, Lafaiette, Renato e seus Blue Caps, Peri Ribeiro, Ronnie Cord, Wilson Simonal e outros que não me recordo agora. Mas, o ponto alto era um compacto simples da Marília Pêra e Rodrigo Santiago com o Monólogo da Roda Viva, gravado ao vivo em uma apresentação da peça, que era transmitido sempre antes da música Roda Viva com o Chico que já estava a postos no outro toca discos para entrar sem intervalo.
Estávamos em plena ditadura, governo Costa e Silva e os milicos não tinham dó de ninguém: Os mais velhos me aconselhavam para parar com isto que se me pegassem ninguém iria acreditar que só queríamos divulgar boa música e nos jornais todos os dias, notícias de rádios piratas de guerrilheiros sendo desbaratadas e seus ocupantes presos com base na lei de segurança nacional.
Bem, a pressão foi muito grande e meu pai me intimou a parar com aquilo, e apenas três meses depois a Rádio Alvorada de São Paulo cujo prefixo era transmitido sob os acordes das primeiras notas da Rapsódia Sueca de Alfven, com a Orquestra Plaza Internacional, mais tarde soube que se tratava realmente da Orquestra Serenata Tropical, saía do ar definitivamente...
O transmissor ficou por muito tempo na casa de minha mãe, sem a mesa de som que foi desmontada para aproveitar os componentes em outros projetos eletrônicos, mais tarde soube que meu pai tinha dado sumiço nele com receio de que eu viesse a ressuscitar a estação!
Disto tudo permaneceu o gosto pela música, um acervo de 10.000 discos em vinil, agora em processo de digitalização e mais 2.000 CDs, mais tarde tendo me aventurado na função de DJ com bastante sucesso, só parando por interferir muito com minha outra atividade, afinal eu tinha que dormir, pelo menos algumas horas por dia...

Silvio A. Neves

Marcadores:

3 Comments:

At 5:41 PM, Anonymous Anônimo said...

Que legal, muito bom este registro eu sempre falei nas entrevistas na época do sucesso do Band Brasil na Band FM, que muito jovem eu falava em rádio e que era uma rádio totalmente artesanal e ai esta, agora o meu amigo Silvio conta esta passagem com detalhes.

Silvio parabéns.

Benê Alves

 
At 2:13 PM, Anonymous Anônimo said...

Isso é crime, você deveria ser preso. Só aqui no Brasil o criminoso confessa publicamente seu crime, não acontece nada e ainda é admirado por outras pessoas. Depois reclamam do que está ocorrendo lá em Brasilia

 
At 10:01 PM, Blogger NewtonC said...

Fiz a mesma coisa durante alguns meses em minha cidade no Paraná, na década de 1960 (Em S. Paulo tb, em 1965, mas somente por alguns dias). Confesso com muito orgulho. Nunca atrapalhei as rádios da cidade (meu transmissor, de curto alcance, chegou a ser usado por uma delas para uma transmissão onde não chegavam os cabos telefônicos usados para transmissão externa). Um de meus aparelhos usava uma válvula 5Y3, retificadora, e uma 6V6, osciladora; o outro, 35w4, retificadora, e HY90 (se não me falha a memória), osciladora. "Isso é crime..." (não vou comentar, vou apenas pensar no que diria para esse indivíduo)

 

Postar um comentário

<< Home